2 Introdução

Diversas áreas do conhecimento buscam conhecer o número de elementos em uma dada população. Na ecologia, por exemplo, o monitoramento do número de animais em uma determinada região é de suma importância no estudo e conservação da espécie Seber et al. (1982),McCrea e Morgan (2014). Na área da saúde, é necessário avaliar a quantidade de indivíduos com uma determinada característica (doença, usuários de droga, …) em uma cidade para promover políticas públicas e sociais Bird e King (2018),Böhning et al. (2020). Por outro lado, a confiabilidade de um software está relacionada ao número de erros (falhas) que ele apresenta Basu e Ebrahimi (2001).

Entretanto, na maioria das aplicações é impraticável observar todos os elementos da população devido à dificuldade operacional como, dentre outros fatores, populações esquivas, excessivo tempo para execução ou alto custo financeiro. Nestes casos, procedimentos estatísticos inferenciais são necessários para obter estimativas para os parâmetros populacionais e o método de captura-recaptura (CR) mostra-se uma técnica de amostragem útil e robusta.

Resumidamente, o método de captura-recaptura consiste em selecionar elementos desta população em diferentes ocasiões de amostragem. Na primeira ocasião, uma amostra é retirada, os elementos capturados recebem uma marca e, em seguida, todos são devolvidos à população. Após um certo período de tempo, é selecionada uma segunda amostra e realizada a contagem dos elementos marcados (recapturas), e aqueles não marcados recebem uma marca, e todos são devolvidos à população. Este procedimento é repetido em \(k\) \((k\geq2)\) ocasiões de amostragem, e em cada ocasião é realizada a contagem do número de elementos selecionados e daqueles previamente marcados, feita a marcação dos elementos não marcados e todos são devolvidos à população. No final do processo faz-se a inferência sobre os parâmetros populacionais baseada no número de elementos capturados e recapturados Otis et al. (1978),Rodrigues, Bolfarine, e Galvão Leite (1988),Oliveira e Silva (2007),Salasar (2011),Wang et al. (2015)}.

A utilização da técnica de captura-recaptura para estimar o tamanho de uma população pode ser melhor compreendida com um exemplo simples. Considere que \({N}\) é o tamanho da população a ser estimada e \(n_1\) é o total de animais capturados na primeira época de captura, sendo todos marcados e devolvidos à população. Logo, nesta população, temos uma proporção \(n_1/N\) de animais marcados. Considere que na segunda época de captura tenhamos \(n_2\) animais capturados, dos quais \(m\) estejam marcados. A ideia é estimar a proporção de marcados da população (\(n_1/N\)) pela proporção de marcados na segunda amostra (\(m/n_2\)), isto é, \[\widehat{\left(\dfrac{n_1}{N}\right)} = \dfrac{m}{n_2}\] onde, resolvendo-se em \(N\), tem-se um estimador \(\hat{N}\) para o tamanho populacional, dado por

\[\hat{N} = \dfrac{n_1 n_2}{m}\]

Na literatura, este estimador é conhecido como estimador de Lincoln-Petersen, em referência aos primeiros pesquisadores a empregarem este método na ecologia, o dinamarquês Petersen (1896), em seu estudo sobre o fluxo migratório de peixes do mar Báltico e Lincoln (1930), ao estimar o tamanho da população de patos selvagens na América do Norte. Contudo, este método foi proposto inicialmente por Laplace (1783) para estimar o tamanho da população francesa.

Atualmente, diversos modelos de captura-recaptura são encontrados na literatura para as mais diversas aplicações. Embora tenha-se maior volume de trabalhos com aplicação na ecologia para a estimação de abundâncias de populações animais McCrea e Morgan (2014),Royle et al. (2013), o método pode ser aplicado em outras áreas do conhecimento. Citamos o trabalho de Polonsky et al. (2021) como um exemplo de aplicação na epidemiologia, onde se buscou estimar a prevalência de Ebola via integridade do rastreamento de contatos durante o surto na República Democrática do Congo, entre os anos de 2018 e 2020. Nas àreas de políticas públicas e sociais, Ryngelblum e Peres (2021) empregaram um estudo sobre a análise da qualidade dos dados das mortes cometidas por policiais no município de São Paulo, Brasil, entre os anos de 2014 e 2015. Outro exemplo é um estudo onde foi possível identificar a má conduta das instituições financeiras e seus funcionários no Reino Unido entre 2004 e 2016 apresentado por Ashton et al. (2021).

2.1 Objetivos

O método de captura-recaptura vêm sendo aplicado nas mais diversas áreas do conhecimento e, por isso, o objetivo principal deste projeto é estudar essa metodologia de amostragem e a modelagem estatística para os dados provenientes desta técnica. Com relação à modelagem, temos os seguintes objetivos específicos para o projeto:

  • estudar dois tradicionais modelos estatísticos de captura-recaptura da literatura: \(M_t\) e \(M_{tb}\) Otis et al. (1978);

  • discutir métodos de estimação dos parâmetros desses modelos e aplicá-los em dados reais da literatura para exemplificar a metodologia;

  • apresentar um estudo de simulação para avaliar a performance dos estimadores.

Referências

Ashton, John, Tim Burnett, Ivan Diaz-Rainey, e Peter Ormosi. 2021. “Known unknowns: How much financial misconduct is detected and deterred?” Journal of International Financial Markets, Institutions and Money 74: 101389.
Basu, Sanjib, e Nader Ebrahimi. 2001. “Bayesian capture-recapture methods for error detection and estimation of population size: Heterogeneity and dependence”. Biometrika 88 (1): 269–79.
Bird, Sheila M, e Ruth King. 2018. “Multiple systems estimation (or capture-recapture estimation) to inform public policy”. Annual Review of Statistics and Its Application 5: 95.
Böhning, Dankmar, Irene Rocchetti, Antonello Maruotti, e Heinz Holling. 2020. “Estimating the undetected infections in the Covid-19 outbreak by harnessing capture–recapture methods”. International Journal of Infectious Diseases 97: 197–201.
Laplace, P. S. 1783. Sur les naissances, les mariages et les morts. 693. In: Histoire de L Académie Royale des Sciences, Paris.
Lincoln, Frederick Charles. 1930. “Calculating waterfowl abundance on the basis of banding returns”. US Department of Agriculture, nº 118.
McCrea, Rachel S, e Byron JT Morgan. 2014. Analysis of capture-recapture data. CRC Press.
Oliveira, Antônio Wilson Soares de, e Ionizete Garcia da Silva. 2007. “Distribuição geográfica e indicadores entomológicos de triatomı́neos sinantrópicos capturados no Estado de Goiás”. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 40: 204–8.
Otis, David L, Kenneth P Burnham, Gary C White, e David R Anderson. 1978. “Statistical inference from capture data on closed animal populations”. Wildlife monographs, nº 62: 3–135.
Petersen, C. G. J. 1896. “The yearly immigration of young plaice into Limfjord from the German sea, etc”. Rept. Danish Biol. Stn 6 (1-48).
Polonsky, Jonathan A, Dankmar Böhning, Mory Keita, Steve Ahuka-Mundeke, Justus Nsio-Mbeta, Aaron Aruna Abedi, Mathias Mossoko, et al. 2021. “Novel use of capture-recapture methods to estimate completeness of contact tracing during an Ebola outbreak, Democratic Republic of the Congo, 2018–2020”. Emerging infectious diseases 27 (12): 3063.
Rodrigues, Josemar, Heleno Bolfarine, e José Galvão Leite. 1988. “A Bayesian analysis in closed animal populations from capture recapture experiments with trap response”. Communications in Statistics-Simulation and Computation 17 (2): 407–30.
Royle, J Andrew, Richard B Chandler, Rahel Sollmann, e Beth Gardner. 2013. Spatial capture-recapture. Academic Press.
Ryngelblum, Marcelo, e Maria Fernanda Tourinho Peres. 2021. “Análise da qualidade dos dados das mortes cometidas por policiais no Municı́pio de São Paulo, Brasil, 2014-2015”. Cadernos de Saúde Pública 37.
Salasar, Luis Ernesto Bueno. 2011. “Eliminação de parâmetros perturbadores em um modelo de captura-recaptura”.
Seber, George Arthur Frederick et al. 1982. “The estimation of animal abundance and related parameters”.
Wang, Xiaoyin, Zhuoqiong He, Dongchu Sun, et al. 2015. “Bayesian Estimation of Population Size via Capture-Recapture Model with Time Variation and Behavioral Response”. Open Journal of Ecology 5 (01): 1.